E agora, José?
O poema "José", de Carlos Drummond de Andrade, é uma das obras mais emblemáticas da literatura brasileira. Publicado em 1942, trata de temas como a angústia existencial, o sentimento de desamparo e o vazio da vida cotidiana. A interpretação mais aceita entre os críticos literários destaca o poema como uma expressão da crise existencial e do sentimento de impotência diante da realidade, características recorrentes na obra de Drummond.
Angústia Existencial: O poema começa com a repetição do nome "José", que é o protagonista, uma figura comum, representando o homem comum, anônimo, qualquer pessoa. Ele está em uma situação de desesperança, e o poema reflete a busca por um sentido na vida. O "e agora, José?" ecoa a pergunta clássica sobre o que fazer diante das frustrações e do vazio da existência.
Solidão e Desamparo: O eu lírico está cercado por elementos que indicam a perda de sentido: "a festa acabou", "a luz apagou", "a noite esfriou". Tudo o que havia de alegre, quente e luminoso desaparece. Esses símbolos reforçam a ideia de que José está sozinho, sem companhia ou alento, numa situação de solidão extrema, tanto física quanto emocional.
Impotência diante da realidade: O poema também trata da incapacidade de agir ou mudar a própria condição. José se encontra preso em uma situação que não consegue alterar, como sugerem as imagens da "parede" e do "deserto". O caráter repetitivo do poema reforça a sensação de estagnação e desesperança.
Crítica social: Alguns críticos também veem no poema uma crítica à sociedade moderna (e capitalista), que aliena o indivíduo, retirando-lhe as possibilidades de realização pessoal. José pode ser lido como um homem comum, perdido em um mundo massificado, onde não há lugar para a individualidade ou para os sonhos.
Ironia e resignação: Apesar do tom grave do poema, há também uma camada de ironia, característica do estilo de Drummond. A repetição de perguntas sem resposta revela uma certa resignação diante do absurdo da existência, mas ao mesmo tempo, provoca o leitor a refletir sobre sua própria vida.
José
Carlos Drummond de Andrade
E agora, José?
A festa acabou
A luz apagou
O povo sumiu
A noite esfriou
E agora, José?
E agora, você?
Você que é sem nome
Que zomba dos outros
Você que faz versos
Que ama, protesta?
E agora, José?
Está sem mulher
Está sem discurso
Está sem carinho
Já não pode beber
Já não pode fumar
Cuspir já não pode
A noite esfriou
O dia não veio
O bonde não veio
O riso não veio
Não veio a utopia
E tudo acabou
E tudo fugiu
E tudo mofou
E agora, José?
E agora, José?
Sua doce palavra
Seu instante de febre
Sua gula e jejum
Sua biblioteca
Sua lavra de ouro
Seu terno de vidro
Sua incoerência
Seu ódio, e agora?
Com a chave na mão
Quer abrir a porta
Não existe porta
Quer morrer no mar
Mas o mar secou
Quer ir para Minas
Minas não há mais
José, e agora?
Se você gritasse
Se você gemesse
Se você tocasse
A valsa vienense
Se você dormisse
Se você cansasse
Se você morresse
Mas você não morre
Você é duro, José!
Sozinho no escuro
Qual bicho-do-mato
Sem teogonia
Sem parede nua
Para se encostar
Sem cavalo preto
Que fuja a galope
Você marcha, José!
José, para onde?