Repetição de preposições, de artigos e de pronomes


Sempre que as expressões coordenadas – quer pertençam ao sujeito ou a outro complemento – sejam do mesmo gênero, a repetição é opcional.

No caso de pertencerem a gêneros diferentes, deverá ocorrer a repetição, se queremos produzir um texto formal, ou cuidado. Assim, deverá, em texto cuidado, dizer-se: execução de tarefas, de ordens e de projetos, embora o tipo de coordenação seja, do ponto de vista semântico, um pouco estranho, pois a palavra ordens não pertence ao mesmo tipo de execução a que pertencem tarefas e projectos; multiplicidade de idéias, de pontos de vista, de propostas e de explicações; ao lado de pesquisas de ponta, de divulgadores científicos e de grandes corporações.

No caso dos demonstrativos e dos possessivos, em princípio, a regra é semelhante, embora me pareça haver alguma diferença relativamente ao seu uso em Portugal e no Brasil. Por desconhecimento da especificidade do que acontece no Brasil apenas posso contrapor com a prática que é mais comum em Portugal.

As diversas expressões apresentam situações, também elas, diferentes:

a) Compraram-se essa casa e esse carro

Como se trata de nomes de gêneros diferentes, repete-se o demonstrativo. Problemática poderá ser a concordância, ou seja, deverá dizer-se compraram-se essa casa e esse carro assumindo o se como partícula apassivante e sendo a frase equivalente a Essa casa e esse carro foram comprados, ou Comprou-se essa casa e esse carro, sendo o se pronome indefinido, e a frase equivalente a Alguém comprou essa casa e esse carro.

Confesso que, nesta frase específica, prefiro a frase cujo verbo está no singular.

b) Esqueceu seu livro didático, relógio e uniforme escolar em casa. 

Nesta frase, em Portugal, não se colocaria o possessivo, podendo, ou não, colocar-se artigo: Esqueceu livro didático, relógio e uniforme escolar em casa ou Esqueceu o livro didáctico, o relógio e o uniforme escolar em casa.

A utilização do artigo tem, aqui, um valor enfático.

c) Todos os documentos, móveis e aparelhos eletrônicos estão à venda.

Esta parece-me a melhor opção. A repetição da expressão completa poderia ser utilizada com valor enfático. A repetição do artigo apenas não resulta, em Portugal, como estrutura adequada a um contexto formal.

De acordo com os preceitos enunciados por Celso Cunha e Lindley Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo, pág. 235, a estrutura em apreço pode escrever-se de duas maneiras:

(1) Leitura nas áreas das ciências naturais, da história, da mitologia e dos jogos.

(2) Leitura nas áreas das ciências naturais, história, mitologia e jogos.

A sequência (1) é claramente recomendada por Cunha e Cintra: Quando empregado antes do primeiro substantivo de uma série, o artigo deve anteceder os substantivos seguintes, ainda que sejam todos do mesmo gênero e do mesmo número.

Assinale-se que (2) é também possível, como enunciam os referidos gramáticos:

Não se repete, porém, o artigo [...] quando, no pensamento, os substantivos se representam como um todo estreitamente unido [...].

E dão um exemplo que é muito semelhante à sequência em análise, porque envolve a contração da preposição de com o artigo definido:

O estudo [do folclore] era necessitado pela existência das histórias, contos de fadas, fábulas, apólogos, superstições, provérbios, poesia e mitos recolhidos da tradição oral.

2. Quanto à correção da sequência Leitura na área das ciências naturais, em história, mitologia e jogos, ela é aceitável se for parafraseada do seguinte modo:

(3) Leitura na área das ciências naturais e em história, mitologia e jogos

Em (3), não é necessário repetir a preposição em com cada membro da série história, mitologia e jogos. No entanto, pode não ser este o conteúdo visado, pretendendo o consulente indicar campos de conhecimento, designados por áreas, e especificados depois como ciências naturais, história, mitologia e jogos. Se é essa a intenção, as estruturas (1) e (2) serão as mais adequadas.

1 Poderia argumentar-se que a estrutura (2) é incorreta, porque semelhante à seguinte frase (o asterisco marca estrutura não aceitável):

(i) Falei com o pai *[da Helena, João e Pedro].

A inaceitabilidade de (i) deve-se não à falta de repetição, mas, sim, a uma incompatibilidade entre diferentes padrões de uso dos nomes próprios: por um lado, «a Helena» é característico da linguagem corrente, em que um nome próprio tem sempre artigo definido (diz-se «a Helena, o João, o Pedro»); por outro, «João e Pedro» corresponde a um emprego de grande formalidade ou distanciação, no qual os nomes próprios não têm artigo. A frase (i) deverá, portanto, ser corrigida de dois modos:

(ii) Falei com o pai [da Helena, do João e do Pedro].

(iii) Falei com o pai [de Helena, João e Pedro].