O que é interdiscursividade?


Ao identificarmos uma postura ideológica mais voltada para a crítica à realidade circundante. Aquela exaltação às belezas da Pátria, significativamente impressa nas palavras de Gonçalves Dias, choca-se, contrapõe-se quando expressas diante da visão de Mário Quintana e de José Paulo Paes. Cabe afirmar, portanto, que essa ocorrência é um caso de interdiscursividade.

Ou seja, a interdiscursividade consiste na relação entre dois discursos caracterizada por um citar o outro. Toda relação interdiscursiva é também uma relação intertextual. Contudo, a intertextualidade é mais ampla: quando um discurso cita o outro, não há apenas uma referência ao texto ou partes do texto, mas também à situação de produção dele (quem fez, para que, em que momento histórico, com qual finalidade etc.), à ideologia subjacente e aos significados que esse discurso foi assumindo historicamente.


Texto 1

Do que a terra mais garrida

Teus risonhos, lindos campos têm mais flores;

“Nossos bosques têm mais vida”

“Nossa vida”, no teu seio, “mais amores,”

(trecho do Hino Nacional Brasileiro)



Texto 2

Nossas flores são mais bonitas

nossas frutas mais gostosas

mas custam cem mil réis a dúzia.

(Mendes, Murilo. Canção do exílio.)



Texto 3

Nosso céu tem mais estrelas,

Nossas várzeas têm mais flores,

Nossos bosques têm mais vida,

Nossa vida mais amores.

(Dias, Gonçalves. Canção do exílio.)


Os três textos são semelhantes. Como o de Gonçalves Dias é anterior aos dois primeiros, o que ocorre é que estes fazem alusão àquele. Os dois primeiros citam o texto de Gonçalves Dias. Houve aqui não só a citação de um texto pelos outros, mas também a relação de sentido (temática), o que caracteriza a interdiscursividade.

Meus oito anos
Oh! Que saudade que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais
Que amor, que sonhos, que flores
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras
Debaixo dos laranjais!
[…]

(Cassimiro de Abreu)  

Meus oito anos
Oh que saudades que eu tenho
Da aurora da minha vida
De minha infância querida
Que os anos não trazem mais
Naquele quintal de terra
Da Rua de Santo Antônio
Debaixo da bananeira
Sem nenhum laranjais.
[…]

(Oswald de Andrade)

O primeiro texto, de Casimiro de Abreu, foi escrito no século XIX; o segundo texto, de Oswald de Andrade, foi escrito no século XX. As semelhanças entre os textos são evidentes, pois o assunto deles é o mesmo e há versos inteiros que se repetem. Portanto, o segundo texto cita o primeiro, estabelecendo com ele uma relação intertextual.

Observa-se, porém, que o segundo texto tem uma visão diferente da apresentada pelo primeiro. Nesse, tudo na infância parece ser perfeito, rodeado por “amor”, “sonhos” e “flores”. Já no segundo texto, esses elementos são substituídos por um simples “quintal de terra”, um espaço concreto e comum, sem idealização. Além disso, com o verso “sem nenhum laranjais”, Oswald de Andrade ironiza Casimiro de Abreu, como que dizendo: na minha infância também havia bananeiras, mas não havia os tais “laranjais” que o Casimiro cita em seu poema.

Observe que Oswald de Andrade, com seu poema, não apenas cita o poema de Casimiro de Abreu. Ele também critica esse poema, pois considera irreal a visão que Casimiro tem da infância.

Na opinião de Oswald de Andrade, infância de verdade, no Brasil, se faz com crianças brincando em quintal de terra, embaixo de bananeiras, e não com crianças sonhando embaixo de laranjais. Esse tipo de intertextualidade e de interdiscursividade é chamada também de paródia.

  • Intertextualidade: é a relação entre dois textos, caracterizada por um citar o outro.
  • Interdiscursividade: é a relação entre dois discursos, caracterizada por um citar o outro.
A diferença é que na interdiscursividade, não há apenas a relação entre os textos, mas também se faz referência à situação de produção (quem fez, para quem fez, em que momento histórico, com qual finalidade, em que gênero, etc.).