Machado de Assis e a arqueologia do cá, cá, cá (ou kkkkk)

JULIANA GRAGNANI


Tendência ou não, o "KKKKKKKK" não é novo. Aliás, é velhíssimo. Essa gargalhada - que quando lida em voz alta, deve soar como um gostoso "kakakakaka" - é usada pelo brasileiro há pelo menos 150 anos. Mas era algo mais para os vagarosos "cá cá cá", "quiá quiá quiá" ou "quá quá quá".

Temos algumas evidências disso.

A primeira está em Til, romance regionalista de José de Alencar (1829-1877) publicado em 1872 que se passa em uma fazenda no interior de São Paulo. O livro conta a história de Berta, uma menina acolhida pela viúva Nhá Tudinha.

Em um trecho, Nhá Tudinha aparece "debulhando-se em uma risada gostosa". "Não fazia a menina um trejeito, nem dizia uma facécia, que a viúva não se desfizesse em gargalhadas."

"— Ai, menina!... Quiá!... quiá!... quiá!... Já se viu, que ladroninha?...", diz um trecho.

Uma rápida busca no acervo de jornais mostra a gargalhada na "Secção Livre", onde eram publicados comentários, discussões religiosas ou políticas e casos pessoais em A Província de São Paulo, jornal que antecedeu o Estado de S. Paulo. O texto é do dia 20 de fevereiro de 1884:

"O mió de tudo nhô dotô é mecê se calá e não buli n'essas vergonha (...) Quiá, quiá, quiá, cá, cá, cá!!!", diz o comentário que faz troça de um caso polêmico com uma advogado no interior paulista.

No mesmo ano, Machado de Assis (1839-1908) registrava o riso "cá cá cá" no conto A Segunda Vida: "Então, o Diabo, escancarando uma formidável gargalhada: 'José Maria, são os teus vinte anos.' Era uma gargalhada assim: — cá, cá, cá, cá, cá... José Maria ria à solta, ria de um modo estridente e diabólico."

Monteiro Lobato (1882-1948) também colocou a onomatopeia na boca de personagens em dois contos de Urupês. O livro, de 1918, é notório por ter dado origem ao icônico Jeca Tatu.

"Toda gente gozou do caso, entre espirros de riso e galhofa", diz um trecho do conto Um Suplício Moderno, sobre o personagem Izé Biriba, um pobre estafeta (espécie de carteiro), que fazia correspondência entre cidades não conectadas por ferrovia. Biriba se lamenta por haver transportado um bode para só depois descobrir que era para um inimigo seu, e é alvo de risos. "Trazer o bode da oposição! Quiá! quiá! quiá!", ele ouve de interlocutores.

Na Folha da Manhã, uma crônica chamada Um Homem que Ri, publicada em 1926, diz o seguinte: "Quem foi o tolo que afirmou que a humanidade deve meditar e crer, chorar e sonhar? Que patetice é essa, em pleno século XX? A humanidade só deve rir. A vida, no fundo, não passa de uma grossa piada. Quá, quá quá!"

Ok, já deu para entender. O "quá quá quá" era a maneira corrente de expressar riso.

E um dos espaços onde estava presente é terreno fértil para onomatopeias no Brasil e no mundo: as histórias em quadrinho.