'Eu só poderia crer num deus que soubesse dançar'


Ao me apossar das palavras de Nando Pereira, ao mencionar que "a clássica obra 'Assim Falou Zaratustra, um Livro para Todos e para Ninguém' (Also Sprach Zarathustra, Ein Buch für Alle und Keinen, 1883-85), do filósofo alemão Friederich Nietzsche (1844-1900), é um instigante discurso filosófico em forma poética, com trechos ricos sobre a vida e os propósitos do homem (o 'super-homem'), e com máximas como a famosa 'Deus está morto'. No trecho abaixo, da primeira parte, capítulo 'Ler e Escrever', Nietzsche encarapuça o sábio Zaratustra, ou Zoroastro, em forma nova, evoluída, devoto incondicional da verdade, e discorre a respeito do fardo da vida, do conceito de felicidade e da leveza do Deus que dança, e que mata seu demônio pessoal, que é 'sério, grave, o espírito do pesadelo'.

"[…] Ver revolutear essas almas aladas e loucas, encantadoras e buliçosas, é o que arranca a Zaratustra lágrimas e canções. Eu só poderia crer num Deus que soubesse dançar. E quando vi o meu demônio, pareceu-me sério, grave, profundo e solene: era o espírito do pesadume! Eu aprendi a andar; por conseguinte corro. Eu aprendi a voar; portanto não quero que me empurrem para mudar de lugar. Agora sou leve, agora voo, agora vejo a mim mesmo por baixo de mim, agora dança em mim um Deus."

— Friedrich Nietzsche, "Assim Falava Zaratustra".

É possível captar a essência do que Nietzsche quis dizer: o filósofo da suspeita defende a ideia da vida leve, da vida que não é pesada, da vida que não possui fardos a serem carregados. Para Bruno Nunes, é a capacidade de "vê o próprio demônio – o que há de ruim em nós – e ele se parece pesado. Nietzsche, segundo Nunes, refere-se à moral cristã da sociedade ocidental. O cristianismo – esse platonismo para o povo – é a moral decadente, é a própria décadence par excellence. Decadência por quê? Porque é a moral dos fracos, oprimidos e desgraçados. Não se exalta a vida, mas a desgraça. Não se exalta o viver e o gozar a vida, mas, sim, o não viver, o não gozar a vida. O cristianismo ensina a negar a vida e tudo o que é natural em prol de uma vida além-mundo.

"Eu só poderia crer num deus que fosse leve, que não tivesse moral que me impedisse de viver, um deus que soubesse dançar... que não fosse duro feito pedra, estático feito montanhas, mas que fosse um eterno devir, um eterno vir-a-ser, um eterno movimento... uma eterna DANÇA, completa Nunes. Daí que Nietzsche vai opor Apolo e Dionísio. Apolo é o deus da razão, da dureza, do certo, da retidão. Dionísio é o deus da embriaguez, do movimento, da bagunça, do caos, da leveza, da dança, assinala.