Narrativas quilombolas


Art. 3º Entende-se por quilombos:

4I - os grupos étnico-raciais definidos por auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica;

II - comunidades rurais e urbanas que:

a) lutam historicamente pelo direito à terra e ao território o qual diz respeito não somente à propriedade da terra, mas a todos os elementos que fazem parte de seus usos, costumes e tradições;

b) possuem os recursos ambientais necessários à sua manutenção e às reminiscências históricas que permitam perpetuar sua memória.

III - comunidades rurais e urbanas que compartilham trajetórias comuns, possuem laços de pertencimento, tradição cultural de valorização dos antepassados calcada numa história identitária comum, entre outros.

O que é, oficialmente, um quilombo?

Os territórios quilombolas são, em sua maioria, formados por rios, montanhas e planícies, que suportam suas atividades, essencialmente agrícolas.

Os quilombos de André Lopes, Cafundó, Caçandoca, Ivaporunduva, Galvão, Sapatu, Nhunguara, Pedro Cubas de Cima e São Pedro estão ligados e integrados às colinas, aos rios e às esferas da natureza. Essa dispersão no espaço é uma característica da ocupação do território. Cada quilombo é um centro de vida, uma unidade de produção onde se gere a economia, o social e a ecologia. O mesmo vale para as práticas religiosas e as festas.

Por isso, os quilombos são detentores de uma história que os leva, hoje, por um momento, a se reagruparem, seja por razões de autodefesa, seja pelas oportunidades econômicas.

O quilombo é uma família extensa. As crianças crescem, tornam-se homens ou mulheres e ali também poderão se instalar. Todos deverão ter acesso à terra para poder, assim, produzir.

O quilombo vive com uma concepção de mundo que guia a organização do hábitat, a instalação das áreas de produção (as roças) e os ritos. O mundo é simbolizado pelas alianças estabelecidas com a terra, inclusive nos ritos funerários.

No quilombo são realizadas também atividades artesanais, tais como a produção de farinha e de doce de banana, de artefatos com a palha da bananeira e de peças cerâmicas. Tecnologias para o cotidiano, tecnologias para a vida. Ele é também um lugar de concepção logística que permite assegurar a produção.

O saber/fazer expresso na construção das casas em terra batida (pau a pique) revela uma capacidade ótima de interação com o ambiente. Mas não para por aí. A reprodução das sementes e a variedade de bananas são outros importantes exemplos que revelam o dinamismo e a capacidade de inovação dos quilombolas.

O quilombo é também lugar de interpenetrações com o mundo exterior, pelas ingerências das políticas públicas, da modernidade, do mercado, da cidade.

Esse tipo de comunidade permite aos seus visitantes conhecer um outro mundo, outras lógicas e outras formas de organização, o que pode exercer um papel importante no quadro de referências individuais e coletivas.

A modernidade se coloca pela cidade, pelo desenvolvimento das estradas que cortam a região e favorecem as interconexões, pela valorização da biodiversidade, pela busca dos saberes locais pelas universidades que visitam as comunidades e lá iniciam projetos científicos. 

Essa modernidade é marcada também pela reorganização das comunidades, seja pelas pautas políticas internas, seja pelos projetos de políticas públicas sustentados por ONGs (Organizações não Governamentais).

O processo de globalização e as próprias relações das comunidades com as cidades podem alterar seus valores. No entanto, os novos modos de vida (no campo da alimentação, das tecnologias podem ser incorporados sem ameaçar sua identidade. Essa contribuição coloca a questão sobre o risco que a urbanização representa para as comunidades quilombolas.

A memória coletiva é uma memória compartilhada por um grupo, povo, nação, país ou grupo de países. Ela constitui e modela a identidade e a inscreve na história do grupo.

Segundo o sociólogo Maurice Halbwachs (1877-1945), a “memória coletiva” é uma teoria científica que diz que partilhamos a memória e que lembrar não é um ato solitário. Isso significa que nossas lembranças e memórias são, em parte, estruturadas pela sociedade, compartilhadas pelo grupo. Logo, há uma memória coletiva e uma multiplicidade de memórias individuais.

A nossa memória está em constante mudança. Ela muda ao longo do tempo: nós nos esquecemos, nós nos lembramos.... A memória coletiva também se transforma por meio de eventos e ao longo do tempo. Quando partilharmos a nossa memória com as pessoas que estão ao nosso redor, estamos construindo uma parte da nossa memória coletiva.