Cárcere das Almas, de Cruz e Sousa
Cárcere das Almas é um poema escrito pelo poeta brasileiro Cruz e Sousa, considerado uma das principais figuras do simbolismo no Brasil. O poema faz parte de sua obra Missal (1893), que é caracterizada por sua linguagem rica em simbolismos, imagens fortes e uma atmosfera sombria.
Cárcere das Almas
Na bruma espessa a solidão flutua,
E em torvas sombras se desfaz o dia...
Soluça o Vento, errante, na folhagem,
E geme a turba de espectros que soluça...
Auréolas d'oiro fulguram, ao longe,
Pelas vazias naves do Infinito...
Dentro das almas, num delírio triste,
As almas mortas sonham, no Infinito...
Um silêncio, um silêncio, o Inominado,
Desfaz as ilusões e as esperanças...
E debruçados sobre o abismo insondável,
Almas e almas espreitam ânsias e ânsias...
Noites e noites passam e fantasmas,
Lugubremente, roçam pelos muros...
E as almas mortas, e as almas mortais,
Em seus leitos de sombra sonham, surdos...
No Universo eterno, o vasto, o ermo,
Fluem os tempos, rios do Mistério...
Os tempos vis, os tempos irracionais,
Irmãos gêmeos do Caos, de braço a braço...
Um silêncio, um silêncio, o Indefinido
As almas, como um crânio, em si contém.
Os mortos vão ferir-se de encontro às pedras,
E o vácuo, o vácuo hão de ferir também.
O poema descreve uma atmosfera sombria, onde a bruma espessa e a solidão dominam o ambiente. A escuridão é realçada pelas "torvas sombras" que dissipam o dia. O Vento é personificado como um ser errante e solitário, soluçando entre as folhagens. O poema começa a criar uma imagem de um lugar inquietante, habitado por espectros e almas mortas que também soluçam em desespero.
As "auréolas d'oiro fulguram, ao longe", sugerindo uma presença divina ou transcendental nas "naves vazias do Infinito", que podem ser interpretadas como a vastidão do cosmos. Dentro das almas, há um "delírio triste", um estado de sonho ou devaneio, mas ao mesmo tempo uma sensação de vazio e morte ("as almas mortas sonham, no Infinito"). Essa dualidade sugere um conflito existencial e espiritual, onde a vida e a morte parecem interligadas.
O "silêncio, o Inominado" é uma força presente que desfaz as ilusões e esperanças. A existência é confrontada com o desconhecido, com o vazio, e as almas parecem espreitar ansiosamente por respostas, mas não encontram. A repetição da expressão "almas e almas" enfatiza a multiplicidade dos espíritos presentes nesse cárcere metafórico.
O poema descreve uma passagem do tempo ("Noites e noites passam") em meio a esse cenário desolador, com fantasmas perambulando pelos muros. As almas mortas e as almas mortais, ambos os estados de existência, estão imersos em suas próprias sombras, sonhando surdamente.
O "Universo eterno, o vasto, o ermo" é um espaço onde os tempos fluem como rios do Mistério. Aqui, o tempo é personificado como uma entidade misteriosa, e há menção aos tempos vis e irracionais, irmãos gêmeos do Caos, evocando uma dualidade entre ordem e desordem, razão e irracionalidade.
O último verso ressalta a natureza vazia e indefinida do Indefinido, talvez uma alusão ao conceito filosófico de "nada". As almas são comparadas a um crânio que contém esse silêncio e vazio em si, mas elas ainda buscam um sentido, mesmo que possam se ferir e se machucar no processo.
Em geral, "Cárcere das Almas" é um poema carregado de simbolismo, que explora temas como a solidão, o vazio existencial, a busca por respostas no desconhecido e a dualidade entre vida e morte. Cruz e Sousa utiliza uma linguagem rica e imagética para criar uma atmosfera sombria e reflexiva que caracteriza a estética simbolista presente em sua obra.