Romeu e Julieta: a crítica shakespeariana ao amor romântico

Will Assunção

Julieta, uma das personagens shakespearianas mais icônicas, figura central de uma tragédia do século 16, que séculos depois ganharia uma releitura romantizada é o símbolo do amor lírico na modernidade.

Curiosamente, em uma das maiores peças já escritas, o inventor da modernidade, contrariando o imaginário popular, não evoca o romantismo. Muito pelo contrário, na obra de William Shakespeare é possível encontrar uma crítica mordaz à paixão. O estoicismo, doutrina filosófica que defende que determinadas emoções são destrutivas e resultam em erros de julgamento, vai permear o pensamento de Shakespeare, o que, em síntese, leva a crer que o homem saudável é o homem que controla a paixão.

Em Romeu e Julieta, Shakespeare trata de política, de ordem pública, e jamais teve intenção de romantizá-la. No entanto, nós o fizemos depois de sua morte. A peça, inclusive, fala, entre outras coisas, que a paixão é uma má conselheira. Podemos arriscar a dizer que o autor quase que demoniza a paixão, pois fala de forma direta da inconstância do jovem no amor romântico.

A peça que encanta a todos há quase cinco séculos, é fruto do retrato de um homem que ainda não conhecia o amor como ele é hoje. O amor, como nós o conhecemos, nasce no século 18 e 19. Hamlet deixa isso claro ao dizer mostre-me um homem sem paixões, e eu atarei meu coração ao dele. Ou, se preferir, em outra passagem que diz que o coração humano é um jardim, você cultiva o que você quiser nele.

Se permitirmos fazer um recorte de Romeu e Julieta, constataremos o quão lustroso é esse amor. Em um único instante, um olha para o outro e, de repente, se apaixonam perdidamente, em um domingo. Ela havia conhecido Romeu há 15 minutos, e já havia se tornado o único amor de sua vida. Na madrugada, eles se declaram um para o outro. Casam no dia seguinte. Têm apenas uma relação sexual e morrem na quinta

De domingo, à noite, a quinta, o amor mais perfeito da humanidade não completou uma semana e somente teve uma relação sexual. É fácil atingir essa perfeição quando a relação não conta com o pesar dos anos, não completa bodas de ouro.

É possível perceber que a obra do inglês de Stratford foi lida no século 19 como o ideal do amor romântico, porque o amor perfeito era o amor de perdição. É o amor que termina em morte, já que o amor, como sentimento avassalador e, portanto, única maneira de ser perfeito, deve terminar com a morte. Já que não pode haver cotidiano no amor romântico. Não pode haver desgaste da relação, só pode haver paixão, platonismo. A idealização do outro.

O coup de foudre é um fenômeno explicitamente criticado pelo Bard. A falsa sensação de que o amor à primeira vista parece ser algo formidável e transcendente é uma experiência ridicularizada pelo dramaturgo inglês, de modo a classificar o amor romântico como um sentimento incontrolável e altamente perigoso.

Ao contrário do que muitos possam ter como impressão, a única voz agônica que causa certo incômodo é a que reverbera na mente dos racionais ao constatar que há séculos vagam por corações ilusões perdidas, muitas delas ainda intactas em centenas de leitores que ainda mantinham certa bardolatria pelo suposto romantismo shakespeariano.