O gênero poesia e as suas características


Os versos

Verso é cada linha do poema. Constitui-se de palavra(s), apresenta ritmo sistemático e certa musicalidade. Os versos apresentam vários tipos:

— versos regulares: são aqueles que, numa estrofe, possuem identidade métrica e rítmica, ou seja, podem ser metrificados. Eles possuem a mesma quantidade de sílabas poéticas e são rimados no final. As sílabas acentuadas repetem-se na mesma posição de cada verso, sem nenhuma alteração.

Os versos regulares foram mais valorizados pelos poetas clássicos, barrocos e parnasianos. A forma conhecida foi o soneto.

— versos soltos ou brancos: obedecem às regras da métrica, mas não apresentam rima. Um exemplo famoso é a elegia Cântico do Calvário, do poeta Fagundes Varella, escrita à morte de seu filho de três anos de idade. Composto em dez sílabas poéticas (os decassílabos), com bastante rigor e ausência de rimas, seu eu lírico revela a dor da perda de alguém essencial a sua vida.

— versos livres: não obedecem a regras de métrica, posição das sílabas fortes ou de rima; cada verso pode ser de um tamanho. Variam de acordo com a leitura, entoação e maior ou menor rapidez da enunciação. Seu ritmo é apoiado na combinação da entoação e das pausas. É um verso típico do Modernismo.

— versos polimétricos: (poli = muito; metro = tamanho) são um conjunto de versos que apresentam tamanhos diferentes.

IMPORTANTE

Entonação: linha melódica, escala de elevação da voz com que se pronuncia uma frase.

— refrão ou estribilho: verso(s) que se repete(m) mais de uma vez no poema ou no final de cada estrofe. É muito comum a utilização de refrão ou estribilho em poemas populares. A repetição de alguns versos serve para a musicalidade, memorização e ênfase do conteúdo do poema. Um exemplo bastante conhecido é a poesia trovadoresca, com suas cantigas de amigo e amor.

A estrofe (ou estância)

Estrofe ou estância é o agrupamento e a sucessão de dois ou mais versos num poema. A quantidade de versos pode variar de um poema para outro ou em cada estrofe dum mesmo poema. As estrofes oferecem o “corpo” do poema e concentram e organizam os versos, de acordo com o esquema proposto pelo poeta.

Para Massaud Moisés, entende-se por estrofe cada uma das secções que constituem um poema, ou seja, cada agrupamento de versos, rimados ou não, com unidade de conteúdo e de ritmo. Para D’Onofrio, estrofe é o “movimento rítmico e ideológico do poema”.

O poeta pode construir estrofes que possuam o mesmo número de versos, chamadas de uniformes, como Álvares de Azevedo fez no poema Se eu morresse amanhã, no qual há quatro estrofes de quatro versos (os quartetos) cada.

Se o poeta não obedecer a essa ordem, as estrofes receberão o nome de estrofes combinadas. Nesse caso, num mesmo poema, poderemos ver, por exemplo, estrofes de quartetos com tercetos (como acontece nos sonetos). Tudo dependerá da pretensão do poeta e dos padrões de poesia que o inspira. Exemplificamos essa composição com o soneto Perdoa-me, visão dos meus amores, de Álvares de Azevedo.

As estrofes podem ser classificadas como:

- simples ou isométricas: possuem o mesmo número de sílabas poéticas;

- compostas ou heterométricas: o número de sílabas é aleatório;

- regulares: possuem de dois a dez versos no máximo, com a quantidade idêntica de sílabas poéticas em cada verso, e o mesmo esquema de rimas;

- irregulares: sem esquema de rimas e métrica, ultrapassando dez versos.

O esquema das estrofes e a organização dos versos são responsáveis pela simetria ou assimetria do poema.

- simetria: quando os poemas apresentam o mesmo número de versos, métricas, rimas e estrofes uniformes ou combinadas.

- assimetria: quando há a ausência de regularidade na estrutura do poema.

O poema tem como característica marcante a oralidade, é feito para ser lido, recitado ou cantado. Ainda que o leiamos silenciosamente, podemos perceber seu lado sonoro (musical) pelo modo de pronunciar as palavras, captando, assim, seu ritmo.

A metrificação

Metrificação é a medida do verso, a quantidade de sílabas poéticas. O poeta escolhe as palavras que vai empregar e se vai respeitar ou não as regras métricas. Veja o que constata Olavo Bilac, o exímio poeta brasileiro que utilizou com rigor e zelo dos fundamentos do poema para construção de suas obras parnasianas:

Para o gramático, todos os sons distintos, em que se divide uma palavra, são outras tantas sílabas, sejam estes sons uma simples vogal, um ditongo, ou uma vogal seguida de uma ou mais consoantes, que batam justas, quer lhe fiquem antes, quer depois [...] O metrificador, diferentemente, apenas conta por sílabas aqueles sons que lhe ferem o ouvido, assinalando a sua existência indispensável. Quanto aos sons vulgares, da linguagem e audição comum, estes lhe passam completamente despercebidos, porque não formam sílabas, e são como se não existissem. Para o gramático, a palavra representa sempre o que é precisamente: nada lhe importa o ouvido. O metrificador não se preocupa senão com o ouvido e com o modo como a palavra lhe soa, defende Olvado Bilac.

Escandir ou metrificar o verso é destacar suas sílabas métricas. Escansão é a contagem do número de sílabas poéticas, o que se estuda na versificação. Segundo Norma Goldstein, escandir (escansão) significa separar o verso em sílabas poéticas. Note que nem sempre significa que as sílabas poéticas correspondem às sílabas gramaticais. O leitor-ouvinte pode juntar (ou separar) sílabas, quando houver encontro de vogais, de acordo com a melodia do verso. “O ouvido de cada um vai indicar como proceder”, defende Goldstein.

Para escandir o verso, você deve observar se:

1. as sílabas são fortes e fracas;

2. a contagem da sílaba poética ocorre até a última sílaba forte;

3. as sílabas são separadas a partir de sua entonação, ocorrendo, muitas vezes, a supressão de sons (elisão) ou a acomodação de vários sons a uma única sílaba métrica (sinalefa);

4. Utiliza-se a sigla ER para marcar o esquema rítmico (métrico) de cada verso;

5. Há vários segmentos rítmicos (sem regras);

6. Vogais tônicas e átonas são separadas na decantação.

7. Vogais átonas são ligadas na escansão. 

Geralmente, as sílabas poéticas coincidem com as sílabas gramaticais. Porém, elas são diferentes em alguns aspectos, considerando-se o artefato da sonoridade e expressão na realização do verso. Elas representam muito mais a situação de oralidade ou fala.

Uma das maneiras mais adequadas para realizar a escansão dos versos e saber se estão metrificados corretamente é conta-los em voz alta, procurando ouvir como se realizam na fala. Observe os versos a seguir. Vamos fazer a divisão gramatical. Para tanto, seguiremos à risca a divisão dos hiatos, ditongos e tritongos e todas as regras de separação de sílabas que aprendemos na escola.

Estamos fazendo apenas separação silábica, portanto, os números indicam a posição e a quantidade de sílabas:

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15

Je/sus/ ex/pi/ra/ o/ hu/mil/de/ e/ gran/de/ o/brei/ro

Exemplo extraído do livro Tratado de Versificação, de Olavo Bilac, 1910.

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

So/bem/ já/ pe/la/ cruz/ a/ci/ma/ es/ca/das

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

E/ nos/ cra/vos/ va/ra/dos/ no/ ma/dei/ro

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

Os/ ma/lhos/ ba/tem/ cru/zam/-se/ as/ pan/ca/das

Esses mesmos versos devem ser metrificados, ou seja, devemos contar as sílabas poéticas, levando em conta a sonoridade das palavras conjuntamente. Faremos a escansão dos versos:

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Je/sus/ ex/pi/ra o hu/mil/de e/ gran/de o/brei/RO

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

So/bem/ já/ pe/la/ cruz/ a/ci/ma es/ca/das

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

E/ nos/ cra/vos/ va/ra/dos/ no/ ma/dei/ro

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Os/ ma/lhos/ ba/tem/ cru/zam/-se as/ pan/ca/das

Algumas regras para entender os versos

Essas regras também foram resumidas do livro Tratado de Versificação, de Olavo Bilac (1910):

União das vogais

— quando uma vogal é colocada antes deoutra, e as duas se amalgamam:

ex.: ditongos: aumenta = au/men/ta;

Hiato: frio = fri/o – frio//

As letras i e u são, no alfabeto fonético, as semivogais /y/ e /w/, respectivamente, portanto não se aglutinam.

— quando a vogal final funde-se com a vogal inicial da palavra seguinte:

ex.: bondade infinita = bon/da/d’in/fi/ni/ta

— vogal muito forte evita a aglutinação silábica:

ex.: vá eu, que ficaria vaeu; ou, só uma – souma

— Se uma sílaba poética terminar em vogal átona e a sílaba seguinte iniciar-se em vogal ou H (que não possua som), essas sílabas podem se juntar em uma única.

— Não se unem vogais tônicas: sen|ti | ó|dio; es|tá | ú|mi|do, etc. Nem é aconselhável juntar tônicas com átonas: a|li|o | ve|jo; se|rá|es|po|sa, etc.

Pronúncia das vogais

— a = cara (uma sílaba) e cará (duas sílabas);

— e = abertíssima em sé; aberta em mercê; surda na última sílaba em bondade; som de i na conjunção e: tu e eu = tu i eu;

— o = abertíssima em nó; aberta na segunda e surda na última: pescoço;

— u = não se modifica e é quase imperceptível: requinte;

A vogal mais fraca, menos acentuada, elide-se na vogal seguinte 

Ex.: bondad’infinita.

Alteração das sílabas

— aférese: supressão da sílaba no começo. Ex: até = té.

— síncope: supressão no meio. Ex: maior = mór.

— apócope: supressão no final. Ex: mármore = mármor.

— prótese: acréscimo no início. Ex: metade = ametade.

— epêntese: acréscimo no meio. Ex: afeto = afeito.

— paragoge: acréscimo no fim. Ex: tenaz = tenace.

Acentos e pausas poéticas

— ocorrem com o som da sílaba em m ou n;

Ex: tam/pa = ‑//U22 (1 sílaba); es/pe/ran/ça = UU//‑U (3 sílabas);

— é necessário demora na pronunciação;

— a pausa acontece predominantemente nas vogais abertas.

Ex: a/mo = ‑//U; a/ma/do = U‑//U; a/ma/dor = U//U‑;

U significa as sílabas breves e –, as sílabas pausadas.

Sílabas fortes

— aguda = última sílaba (sol, visão, capataz, abacaxi etc.);

— grave = penúltima sílaba (pato, cadeira, bofetada etc.);

— esdrúxula = antepenúltima (tímido, pernóstico, catedrático etc.).

As vezes, poetas dissolvem ditongos crescentes em hiatos. Esta dissolução denomina-se diérese.

IMPORTANTE

O poder do significado das consoantes num poema

B e P = queda (bumba); tiro (pum); pancada e queda (tim‑bum);

D e T = quedas repentinas, pancadas secas, tiros, tropeços, estalidos (bradar, bater, matraca, dar);

C e S = serpente (silva); vento (assopra);

F e V (mais áspero) = fortaleza, resistência, valentia;

G, C, K e Q = exprimem coisas difíceis ou resistentes – angústia, tigre, calo etc;

M e N = palavras com prolongamento: tocam o coração – amor, mamãe, sofrimento etc;

R = duro e trêmulo – arranco, torrente, murmúrio;

L = brando – mole, embalar etc.

Podemos encontrar versos que variam de uma a 12 sílabas poéticas e que têm esquemas rítmicos específicos. Os versos mais conhecidos são os de cinco sílabas (redondilha menor) e os de sete sílabas (redondilha maior), os decassílabos (dez sílabas) e os alexandrinos (12 sílabas).

Rimas preciosas são as artificiais, forjadas com palavras combinadas, tais como múmia com resume-a, réstias com veste-as, escárnio com descarne-o etc.

Rimas emparelhadas são as de dois versos seguidos. (aa, bb, cc, etc).

Rima interna é a que se faz com a última palavra de um verso e uma palavra no interior do verso seguinte.

Quanto à maneira por que se dispõem nos versos, as rimas podem ser: 


emparelhadas; 

combinam-se de duas em duas, seguindo o esquema AABB


alternadas (ou cruzadas); 

ABAB


Rimas interpoladas (opostas ou intercaladas);

Combinam-se numa ordem oposta, seguindo o esquema ABBA.

interpoladas e misturadas.

combinam-se em ordem oposta a anterior, com esquema ABBA


Rima pobre: Quando as palavras que rimam pertencem à mesma classe gramatical (substantivo com substantivo, verbo com verbo etc)

Rimas interpoladas (ou intercaladas): Combinam-se numa ordem oposta, seguindo o esquema ABBA (quanto a repetição de sons ou versos).

Quanto aos processos para a redução do número de sílabas métricas, para atender às exigências da métrica, os poetas recorrem à:

crase – fusão de duas vogais numa só:

a alma [al-ma]; o ódio[ó-dio]; foge e grita [fo-ge-gri-ta]

elisão – supressão da vogal átona final de um vocábulo, quando o seguinte começa por vogal:

Ela estava só [e-les-ta-va-só]; duma (por de uma); como um bravo [co-mum-bra-vo]

ditongação – fusão de uma vogal átona final com a seguinte, formando ditongo:

este amor [es-tia-mor], sobre o mar [so-briu-mar], aquela imagem [a-que-lei-ma-gem], moço infeliz [mo-çuin-fe-liz]

sinérese – transformação de um hiato em ditongo, na mesma palavra:

crueldade [cruel-da-de], luar, fiel, magoado [ma-gua-do]

diérese – o inverso da sinérese, ou seja, a dissolução de um ditongo em hiato:

saudade [sa-u-da-de], piedoso [pi-e-do-so]

ectlipse – supressão de um fonema nasal final, para possibilitar a crase ou ditongação:

co, cos, coa, coas (por com o, com os, com a, com as)

aférese – supressão de sílaba ou fonema inicial:

té (por até), inda (por ainda), ’stamos (por estamos)