Estilística do som
Também chamada de fonoestilística, trata dos valores expressivos de natureza sonora observáveis nas palavras e nos enunciados. Fonemas e prosodemas (acento, entoação, altura e ritmo) constituem um complexo sonoro de extraordinária importância na função emotiva e poética, pontua Martins.
Os sons podem sugerir ideias ou impressões, provocar sensações de agrado e/ou desagrado. É o que se pode denominar “motivação sonora”, quando há alguma correspondência entre som e significado.
Por exemplo, a vogal /u/ pode estar relacionada à ideia de escuridão nas palavras “escuro” e “noturno”, todavia isso não acontece em luz, diurno.
Quando ocorre a intersecção de um significante e um significado, temos a metáfora fonética, assim como na metáfora semântica ocorre a intersecção de significados (o de um comparante e o de um comparado).
Desse modo, conforme a insistência em sons de valor expressivo, podemos obter as seguintes figuras de som:
Aliteração
É a repetição insistente dos mesmos sons consonantais (no início ou em integrantes da sílaba tônica).
Exemplo: “Jabuticaba Caju Maracujá/Pipoca Mandioca Abacaxi/é tudo tupi/tupi guarani” (Tu tu tu Tupi, de Hélio Ziskind, grifo nosso).
Assonância
É a repetição insistente dos mesmos sons vocálicos.
Exemplo: “Jundiaí Morumbi Curitiba Parati” (Hélio Ziskind, idem).
Homeoteleuto e rima
Homeoteleuto: repetição de sons no final das palavras; aparecimento de uma terminação igual em palavras próximas, sem obedecer a um esquema regular, ocorrendo ocasionalmente numa frase ou verso.
Exemplo: “Cassiano pensou, fumou, imaginou, trotou, cismou, e, já a duas léguas do arraial [...]” (ROSA, 2001, p. 143, grifo nosso).
Eco: homeoteleuto não intencional, não estético, que se costuma considerar um vício de linguagem.
Rima: coincidência de sons, geralmente nos finais das palavras.
Exemplo: O índio andou pelo Brasil deu nome pra tudo que ele viu. Se o índio deu nome, tá dado! Se o índio falou, tá falado! (Tu tu tu Tupi, de Hélio Ziskind, grifo nosso).
Anomimação
Consiste no emprego de palavras derivadas do mesmo radical – em uma mesma frase ou em frases mais ou menos próximas (ex.: sonho - sonhado).
Paronomásia
Figura pela qual se aproximam palavras que oferecem sonoridade análoga com sentidos diferentes; é um jogo de palavras, um trocadilho (de que pode resultar até um efeito humorístico).
Exemplo: “Tão mal cumprida tão mais comprida...”.
Onomatopeia
É a reprodução de um ruído ou a tentativa de imitação de um ruído por um grupo de sons da linguagem. É a transposição na língua articulada humana de gritos e ruídos inarticulados. Esse é um recurso bastante utilizado em histórias em quadrinhos em expressões como: bang (tiro), nhac, nhac (mastigação), pow (soco), bum (explosão).
Harmonia imitativa
Estende-se ao longo de um enunciado, de um fragmento de prosa, de um poema, e resulta de um aglomerado de recursos expressivos: peculiaridades dos fonemas, repetições de fonemas, de palavras, de sintagmas ou frase, do ritmo do verso ou da frase.
Veja-se, por exemplo, o poema Os sinos, de Manuel Bandeira:
Sino de Belém, pelos que inda vêm!
Sino de Belém bate bem-bem-bem.
Sino da paixão, pelos que lá vão!
Sino da paixão bate bão-bão-bão.
A aliteração do /b/ e a reiteração de vocábulos labiais evocam fonicamente o tanger dos sinos. A onomatopeia bem-bem-bem sugere o som metálico e alegre “pelos que inda vêm” (os batizados); bão-bão-bão, o dobre de finados “pelos que lá vão” (os mortos).
Além desses recursos expressivos, que constituem figuras de linguagem no nível fonético, ou seja, as figuras de som, podemos encontrar outros recursos que não compreendem necessariamente figuras, mas que caracterizam estilos no uso da língua.
Alterações fonéticas
A estilística fônica trata de alterações fonéticas que têm valor expressivo.
Metaplasmos – por supressão, acréscimo, troca e permuta.
Ex.: arvre (árvore), aspro (áspero), pobrema (problema), guentar (aguentar), embonecrado (embonecado) etc.
Correspondem a tendências ainda vigentes na língua, perceptíveis na fala popular e coibidas na língua culta e padrão.
Alterações fonéticas em autores regionalistas
As formas populares demarcam o nível cultural dos indivíduos ou da língua arcaica ainda existentes entre determinados falantes; esses processos correspondem:
Esses processos correspondem:
(a) ao acréscimo de fonemas no interior de vocábulo (murucego);
(b) ao acréscimo de /s/ no final de certas palavras (nuncas);
(c) à supressão de som nas várias partes dos vocábulos (dianta, manhecer);
(d) à supressão da vogal átona (pré ou pós-tônica): escrafuncar (escarafunchar);
(e) à forma diminutiva em –im (riachim, passarim);
(f) à troca de fonemas por vocalização, nasalação, dissimulação etc.;
(g) à troca do [r] por [l]: militriz;
(h) à permuta ou mudança de posição de fonemas, mais frequentemente com o [r] como em enterter, agardecer, entre outros.
Alterações fonéticas na poesia
Na poesia, a metrificação dos versos está relacionada à sonoridade, que determina as sílabas poéticas formadas por supressão ou fusão de sons vocálicos. Daí, temos os seguintes fenômenos:
Crase - fusão de duas vogais iguais: “Eu não esper/o o/ bem...”.
Elisão - desaparecimento da vogal final de uma palavra ante a vogal inicial da palavra seguinte: “Alma seren/a e/ casta...”.
Sinalefa - fusão da vogal final de uma palavra, reduzida à semivogal, com a vogal inicial da palavra seguinte, formando um ditongo: “Tudo quant/o a/firmais...”.
Elipse - elisão ou sinalefa de vogal nasal; restringe-se praticamente ao encontro da preposição com e o artigo, variando a grafia: com o, co’o, co.
Hiato entre vocábulos - usado pelos românticos, condenado pelos parnasianos, por deixar o verso frouxo; em certos casos, realça determinada palavra ou obriga a se emitir o verso num tom pausado.
“Meu/ can/to/ de/ mor/te Gue/rrei/ros/, ou/vi” (DIAS, 1969, p. 123, grifo nosso).
Há casos em que o hiato torna-se ditongo, fenômeno denominado sinérese, como em “E o Piaga se ruge/No seu Maracá” (DIAS, 1969, p. 235, grifo nosso). As vogais formariam um hiato em se tratando de sílaba comum, mas tornam-se ditongo na métrica da sílaba poética.
O inverso também ocorre e um ditongo desdobra-se em hiato. A esse fenômeno denomina-se diérese. Esse recurso contraria a tendência da língua de reduzir os hiatos.
Devemos considerar, ainda, recursos fonéticos que já não se encontram no segmento da língua, mas no nível suprassegmental, e que podem alterar a mensagem, conforme a expressividade que podem marcar. Vejamos a seguir.
Prosodemas ou traços suprassegmentais
Constituem um complexo sonoro de extraordinária importância na função emotiva e poética.Também são valores expressivos de natureza sonora observáveis na palavras e nos enunciados.
Acento: função distintiva – assim como a entoação, tem função intelectiva (frase afirmativa ou interrogativa, por exemplo) e presta funções expressivas importantes. É o caso do acento de duração, que não tem função fonológica, mas expressiva.
Na língua escrita, essa função pode ser marcada pela repetição de grafemas, “rrrolar”, por exemplo. Pode, ainda, haver a intensidade de pronúncia marcada em uma sílaba para expressar emoção, energia, duração inusitada. Exemplo: Ela é maravilhosa!
Entoação: é a curva melódica que a voz descreve ao pronunciar palavras, frases e orações. Um nome próprio, por exemplo, com diferentes entoações, pode ter múltiplos significados, que devem ajustar-se ao contexto. É a entoação que indica se as nossas palavras estão no sentido próprio ou no oposto, se estamos sendo sinceros ou irônicos.
Sinais de pontuação e entoação: ponto final, vírgula, ponto-e-vírgula, travessão, parênteses, ponto de interrogação, de exclamação e reticências sugerem diferentes inflexões, mas têm em comum a indicação de uma pausa, precedida de queda, suspensão ou elevação da voz. A supressão de sinais de pontuação esperados pode ter efeito estilístico, permitindo, inclusive, múltiplas leituras.
Ortografia: a ortografia pode marcar, na escrita, recursos expressivos. Assim, o emprego das maiúsculas, por exemplo, que foge ao Acordo Ortográfico, pode sugerir respeito, admiração, sentimento religioso ou cívico, acatamento de autoridade (pai, mestre, sacerdote, pátria etc.). Da mesma forma, o uso da minúscula no início de nomes próprios expressa a subversão à ordem, o que tem um valor semântico específico, de acordo com o contexto.