A diferença entre poema e poesia
Observe o seguinte comentário de Pedro Lyra: “se o poema é um objeto empírico e se a poesia é uma substância imaterial, é que o primeiro tem uma existência concreta e a segunda não. Ou seja: o poema, depois de criado, existe per si, em si mesmo, ao alcance de qualquer leitor, mas a poesia só existe em outro ser: primariamente, naqueles onde ela se encrava e se manifesta de modo originário, oferecendo-se à percepção objetiva de qualquer indivíduo; secundariamente, no espírito do indivíduo que a capta desses seres e tenta (ou não) objetivá-la num poema; terciariamente, no próprio poema resultante desse trabalho objetivador do indivíduo-poeta.
As reflexões de Pedro Lyra são interessantes. Há uma confusão entre a definição de poesia e poema, como vimos. Geralmente, esses termos são utilizados aleatoriamente. Porém, eles possuem significados distintos dentro da teoria literária. Diferente das definições dos gêneros poesia e prosa, as fronteiras entre poema e poesia são bem mais simples e perceptíveis. Você sabe dizer quais são, então?
De acordo com as definições apresentadas na seção anterior, percebemos que aqueles estudiosos entendem a poesia como tudo o que toca o espírito, provocando emoção e prazer estético, que revela a essência da vida.
Pode ser encontrada também na pintura, na dança, na música, nas paisagens, na vida etc. É o elemento abstrato (não depende do verso).
Você consegue perceber a poesia nos quadros de Monet, Picasso e Tarsila do Amaral? E nas composições musicais de Mozart e Bach? Nas vozes líricas de Maria Callas? Nas interpretações românticas de Marisa Monte, Adriana Calcanhoto e Roberto Carlos e assim por diante? Claro que são perguntas tocantes a preferências pessoais, e você pode não ter percebido a poesia em alguns desses exemplos.
O importante é saber que a poesia está em todos os lugares, e apenas aquele com sensibilidade estética pode captá-la e transmiti-la via alguma linguagem, seja ela verbal ou não. A poesia está ao nosso redor, e só a identificamos quando nos causa uma sensação ou emoção estética, por meio de nossos sentidos.
Já o poema, é a combinação de palavras, versos, sons e ritmos. É o elemento concreto, o resultado da Arte. O poema oferece uma forma à poesia por meio da linguagem verbal. Porém, como salientou Octavio Paz, “o poema não é uma forma literária, mas o lugar de encontro entre a poesia e o homem”.
Ele possui uma estrutura, mesmo que não obedecendo aos padrões de metrificação e rimas da tradição literária. O poema tem a função de imprimir a poesia do mundo e de, ao mesmo tempo, captada pelo poeta, levar essa transfiguração da poesia aos demais homens, de alguma maneira, transformando-os.
É como salienta o eu lírico do poema de Drummond. A poesia está nele, mas transformá-la em versos é outra questão:
O estudioso e crítico literário Antonio Candido, em “O estudo analítico do poema”, chama a atenção para o fato de que os estudos acerca da poesia são relativos à natureza da criação literária ou poética, em abstrato, ou seja, é um assunto que se volta para o ato da criação. No entanto, o autor mostra a necessidade desse esclarecimento para que se entenda como o poema relaciona-se com a poesia.
Segundo Candido, a poesia não se confunde com verso ou métrica, já que podemos encontrar poesia nos textos em prosa, nos poemas em versos livres e até mesmo na prosa de ficção. Por outro lado, o professor Antonio Candido também chama a atenção para o fato de que um texto não é poesia só porque é feito em verso.
A teoria da lírica está interessada na forma como a poesia manifesta-se no poema, isto é, no texto cujo aspecto formal predomina o verso, ou, ainda, como a poesia pode ser apresentada nas mais diversas formas da lírica.
Assim, os estudos acerca do poema voltam-se, de forma objetiva e concreta, para as várias estruturas já utilizadas na composição desse tipo de texto. Em contrapartida, quando estudamos o que o poema transmite por meio do “eu lírico”, isto é, o conteúdo do poema e a maneira como esse conteúdo é subjetivamente abordado pela voz do sujeito que nele fala, aproximamo-nos dos estudos da poesia, do que é abstrato.
Além disso, é possível dizer que a poesia é fingimento, simulacro do real: uma coisa é o sentimento em si, outra é a expressão do sentimento. Os versos do poeta português Fernando Pessoa, em Autopsicografia, representam bem a questão da criação poética:
O poeta é um fingidor
finge tão completamente
que chega a fingir que é dor
a dor que deveras sente.
E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
(PESSOA, 1977, p. 79).
Quando falamos em gênero, a palavra poesia refere-se às expressões específicas da Literatura, representadas por uma estrutura poética que chamamos de poema em suas diversas manifestações.
Lembre-se de que as nomenclaturas podem variar de crítico para crítico e não são estanques. Em vários estudos, você poderá encontrar a palavra poesia referindo-se ao poema em si; ou apenas ao gênero literário poesia; e ainda o termo lírica no lugar de poesia, e assim por diante.