O conceito de literatura
Ao entender literatura como uma produção humana, é possível conceituá-la como a arte da palavra. Além disso, a literatura tem o poder de elencar em sua própria produção fatores históricos, sociais e artístico, inerentes ao entendimento da realidade, seguindo (ou não) uma cronologia dos fatos que cercam a humanidade.
A literatura está intimamente relacionada às práticas sociais, pois existe um vínculo entre ambas, em virtude de a sociedade impor condições e determinar comportamentos. Em outras palavras, há uma conexão entre a obra e o ambiente em que se passou o referido enredo, podendo o mesmo objeto ser considerado como um espelho de determinada cultura. Não obstante, não se deve atribuir valor ou significado a uma obra apenas analisando os aspectos que ela exprimiu da realidade, nem desassociada desses fatores, visto que ela não é um fator independente, afirma Carneiro.
A arte não só reproduz a realidade, mas dá forma a um tipo de realidade. E a literatura não substitui a sociologia e a política como maneiras de explicar a sociedade. A arte não obedece ao princípio da imitação da realidade estabelecida, mas ao princípio da negação desta realidade, que não é meramente negação, mas transposição da realidade (a preservação que transpõe a imanência) [...], diz Carneiro.
Ainda que seja um objeto ficcional, a literatura pode ser considerada o reflexo atemporal da realidade. Ao explorar essa produção literária, os fatos se evidenciam e se tornam mais palatáveis.
Quando fazemos uma análise desse tipo, podemos dizer que levamos em conta o elemento social, não exteriormente, como referência que permite identificar, na matéria do livro, a expressão de certa época ou de uma sociedade determinada; nem como enquadramento, que permite situá-lo historicamente; mas como fator da própria construção artística, estudado no nível explicativo e não ilustrativo, afirmam Candido e Carneiro.
Para Carneiro (2013) é significativo a validação de que a literatura não reproduz a realidade e a sociedade tal como ela é, mas cria representações que desmascaram a própria realidade.
A sociedade existe antes da obra, porque o escritor está condicionada por ela, reflete-a, exprime-a, procura transformá-la; existe na obra, na qual nos deparamos com seu rastro e sua descrição; existe depois da obra, porque há uma sociologia da leitura, do público, que, ele também, promove a literatura, dos estudos estatísticos à teoria da recepção, completam Tadié e Carneiro.
Candido destaca que chama de literatura, nesse texto, tudo aquilo que tem toque poético, ficcional ou dramático nos mais distintos níveis de uma sociedade, em todas as culturas, desde o folclore, a lenda, as anedotas e até as formas complexas de produção escritas das grandes civilizações. E defende a ideia de que não há um ser humano sequer que viva sem alguma espécie de fabulação ou ficção, pois ninguém é capaz de ficar as vinte quatro horas de um dia sem momentos de entrega ao “universo fabulado”.
Se ninguém passa o dia todo sem mergulhar no universo da ficção e da poesia, a literatura (no sentido amplo dado nesse texto) “parece corresponder a uma necessidade universal, que precisa ser satisfeita e cuja satisfação constitui um direito”, defende Candido. A literatura é, para ele, “o sonho acordado da civilização”, e assim como não é possível haver equilíbrio psíquico sem sonho durante o sono, “talvez não haja equilíbrio social sem a literatura”. É por esta razão que a literatura é fator indispensável de humanização e confirma o ser humano na sua humanidade, por atuar tanto no consciente quanto no inconsciente.
Antonio Candido salienta ainda que: […] a literatura tem sido um instrumento poderoso de instrução e educação, entrando nos currículos, sendo proposta a cada um como equipamento intelectual e afetivo. Os valores que a sociedade preconiza, ou os que considera prejudicais, estão presentes nas diversas manifestações da ficção, da poesia e da ação dramática. A literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e combate, fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas.
A literatura, então, não corrompe e nem edifica, mas humaniza ao trazer livremente em si o que denominamos de bem e de mal. E humaniza porque nos faz vivenciar diferentes realidades e situações. Ela atua em nós como uma espécie de conhecimento porque resulta de um aprendizado, como se fosse uma espécie de instrução. A humanização, de acordo com Candido, é: “[…] o processo que confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos à natureza, à sociedade e ao semelhante”.
Além disso, assevera que “[…] a literatura corresponde a uma necessidade universal que deve ser satisfeita sob a pena de mutilar a personalidade, porque pelo fato de dar forma aos sentimentos e à visão do mundo ela nos organiza, nos liberta do caos e portanto nos humaniza”. E defende o fato de que “a literatura pode ser um instrumento consciente de desmascaramento, pelo fato de focalizar as situações de restrição dos direitos, ou de negação deles, como a miséria, a servidão, a mutilação espiritual.” E por estas razões, a literatura está relacionada com a luta pelos direitos humanos.
Em suma, o que o renomado sociólogo e crítico literário brasileiro defende é que a luta por direitos humanos abrange um estado de coisas em que todos possam ter acesso aos diferentes níveis de cultura. É por isso, portanto, que uma sociedade que seja de fato justa “pressupõe o respeito pelos direitos humanos, e a fruição da arte e da literatura em todas modalidades e em todos os níveis é um direito inalienável”.
A leitura literária
Segundo Keath Oatley, professor de Psicologia da Universidade de Toronto e especialista na psicologia da ficção, além de ser fonte de prazer, a ficção permite ao leitor simular e aprender com a experiência ficcional. Um dos usos da simulação é que, para aprender a pilotar um avião, é útil passar um tempo em um simulador de voo. Apesar de ser essencial a prática em um avião real, na maior parte do tempo não acontece muita coisa no ar. Já no ambiente seguro de um simulador, é possível enfrentar uma ampla gama de experiências e ensaiar como responder a situações críticas − e as habilidades aprendidas são transferidas ao pilotar um avião. Da mesma forma, quando nos envolvemos nas simulações da ficção, o que aprendemos é transferido para nossas interações cotidianas.