Vírgula diante do pronome relativo 'cujo'


"Como foi a adaptação a países (,) cujos padrões culturais divergem claramente dos nossos?". A pergunta que paira é: não parece que a vírgula entre seja adequada neste caso. 

De fato, essa vírgula não tem razão de existir. A oração subordinada adjetiva/adjetiva relativa iniciada por cujos é restritiva e integra o sentido de países. Desempenha a função sintáctica de atributo do nome, não fazendo sentido a separação por vírgula.

Um exemplo de uma oração relativa explicativa seria, por exemplo, aproveitando a mesma frase: "Como foi a adaptação aos países árabes, cujos padrões culturais divergem claramente dos nossos?". Neste caso, a oração relativa passava a ter função de aposto e a vírgula já era necessária.

Rodrigo de Sá Nogueira, em Guia Alfabética de Pontuação (Lisboa, Clássica Editora, 1989, pág. 31/31), define um preceito sobre o emprego de vírgula com cujo, mas admite exceções:

Como pronome relativo, equivalente a "do que", "do qual", a forma "cujo" (bem como as suas flexões "cuja", "cujos", "cujas", equivalentes respectivamente a "da qual", "dos quais", "das quais") inicia orações de valor adjetivo. Por isso, visto que os adjetivos não devem ser separados por vírgulas dos substantivos que qualificam ou determinam, em princípio a forma "cujo" (bem como as respectivas flexões), pronome relativo, não deve ser precedida de vírgula, embora ela inicie orações. Não obstante isso, quando uma oração relativa de "cujo" constitui uma expressão intercalada, a forma "cujo" é precedida de vírgula. Ex.: "Vi o homem cujo filho é bom"; "o homem, cujo filho é bom, partiu ontem para o Porto".

Diga-se que o caso de oração intercalada em que a vírgula é aceite por Sá Nogueira é, no fundo, o de uma oração relativa apositiva e não o de uma relativa restritiva. Esta diferença é mais bem observada quando ocorre o pronome que:

(1) Vi o homem que tem dois filhos geniais a dizer disparates.

Vi o homem cujos filhos são geniais a dizer disparates.

(2) Vi o homem, que tem dois filhos geniais, a dizer disparates.

Vi o homem, cujos filhos são geniais, a dizer disparates.

Em (1), acontece que as orações que tem um bom filho e cujo filho é bom restringem a significação de o homem, tornando-se como que características essenciais da pessoa que for referente desta expressão. 

Em (2), as mesmas orações relativas dão informação acessória, porque o homem equivale a uma entidade já bem caracterizada pelo contexto (situacional ou textual); como tais orações funcionam como um aposto, diz-se que são apositivas.

Em relação à frase Há automóveis na rua, cujos proprietários estão ausentes, a oração relativa cujos proprietários estão ausentes define um dos tipos de automóvel existentes na rua. Sendo assim, a vírgula não é de aconselhar: Há automóveis na rua cujos proprietários estão ausentes. Contudo, esta frase acaba por gerar ambiguidade, porque cujos proprietários estão ausentes pode referir-se a rua. Para evitar esta interpretação, é melhor alterar a ordem do constituinte na rua: Na rua, há automóveis cujos proprietários estão ausentes.