Alphonsus de Guimaraens e Emicida – as duas Ismálias


Alan Alaafin Paixão

Igor Silva

Will Assunção

Alphonsus de Guimaraens, poeta mineiro, é um dos principais nomes do Simbolismo brasileiro, movimento literário que ocorreu entre 1890 e 1915 no Brasil.

Há explicitamente uma intertextualidade entre a canção de Emicida e o poema do poeta. Em ambas produções literárias, a personagem Ismália projeta uma representação do feminino adoecido por transtornos mentais e comportamento suicida, no entanto, cada representação reflete um contexto histórico-social e étnico-racial.

Apesar do nome Ismália significar “desejo de amor” em grego, Emicida ressignifica Ismália, transformando-a numa mulher negra do século XXI, ou melhor, Ismália para o rapper seria a personificação dos transtornos mentais ocasionados pelo racismo estrutural e como isso impacta na saúde mental da população negra.

A Ismália de Emicida corresponde a 52,9% da população brasileira que são negros e negras. A Ismália representa o lugar social e o lugar simbólico da população negra no imaginário da sociedade brasileira, esses dois lugares  contribuem para a manutenção e reprodução do racismo.

Ao unir os dois personagens (Ícaro e Ismália) com a realidade da negritude brasileira, Emicida mostra mais que o infortúnio dessas pessoas, ele as envolve em seu contexto social e político e, escancara as desigualdades gritantes que existem nessa sociedade. 

Ao longo da canção ele denuncia todo o ciclo de violência, espólio, culpabilização, criminalização e legitimação da morte de seu povo. E as figuras de Ícaro e Ismália são despidas de sua prévia interpretação sobre desmesura e loucura e são reinterpretados como aqueles que sonham com o reino da liberdade e, ao alçarem seus voos, terminam no chão.

Quando Emicida afirma que ao se olhar no espelho Ícaro o adverte sobre o perigo de se querer chegar perto do sol, ele mostra a diferença de oportunidades, de direitos, de privilégios entre os brancos e pretos no país. Quando um preto luta por reconhecimento e liberdade, a sociedade não mede esforços em derrubá-lo e culpá-lo por sua derrota.

Emicida resgata o mito de Ícaro, colocando-o na temática da canção - o sonho e a liberdade agora estão no contexto da população negra em um país extremamente racista, como vimos em trechos anteriores. Por meio do mito, o eu-lírico da canção se vê olhando no espelho, olhar este de uma pessoa negra em uma sociedade racista, e recebendo o conselho de Ícaro, o mesmo conselho que recebera de seu pai. Com isso, Emicida fala sobre como a ascensão da população negra incomoda a sociedade e também como ela é condicionada a “voar baixo”, já que a sociedade mal suporta a ideia de ver um negro sendo liberto da escravidão (já que isso aconteceu, entre outros, por motivos econômicos, sendo o Brasil um dos últimos a abolirem a escravidão), imagina então ver ele ascendendo social e economicamente dentro de um sistema capitalista.