Fragmento 17


Sempre gostei da sonoridade da palavra "morgado". Suspeito seriamente que meu apego a esse conjunto de sons tenha sido provocado pela pronúncia recorrente na voz áspera de Gabriel, um amigo de beleza peculiar com quem me encontrava ocasionalmente no verão. Entre nós, seus amigos, Gabriel sempre era Gabriel, não havia apelido para ele dentro daquele círculo restrito de amizades masculinas. Isso, talvez, por imposição da vaidade ou de algo maior que cultivava dentro de si. Desde os seus 14 anos, Gabriel tinha porte de homem, e era invejado por isso: cabelos ruivos e pele tomada por sardas discretas, peito largo e músculos trabalhados nas braçadas da natação. Mas o motivo de observações e pareceres entre garotos inquietos, na efervescência da juventude, eram suas panturrilhas hercúleas. A começar pelo formato esculpido com magnificência e generosidade. Eram brancas além da conta, cobertas de pelos espessos e bem avermelhados, mas precisamente alinhados, que iam até o início de um pé largo e simétrico. Pés de um Davi de Michelangelo, que tomavam as devidas proporções em uma sola clara, quase ebórea. Quando aquele dedo quadrado, que encontrava harmonia com o resto do pé, tocava o chão ainda molhado, com respingos da água da piscina, sem nenhuma reverência, quase nos fazia esquecer de sua voz repetindo o quanto estava “morgado”. Ao se aproximar de mim com uma toalha, que cheirava a cloro, repetia com constância aquela palavra que penetrava em meus pensamentos. O som, ainda recente no meu cérebro, soava com tamanho poder de afirmação aos meus ouvidos, enquanto testemunhava relutante a presença de um par vigoroso e bem-proporcionado de panturrilhas a minha frente. Era mais que um espanto, era admiração vultosa. Escondia ali, entre meu silêncio de adolescência, uma tentativa de engatar qualquer confissão silenciosa; mais tentação do que negação de minha parte.

Alecto Grego