Um punhado de moralismo revela incoerências internas em Admirável Mundo Novo

WILL ASSUNÇÃO

Ao ler Admirável Mundo Novo (1932), de Aldous Huxley – desta vez a íntegra da obra – notei, ao longo dos capítulos, incoerências internas, que revelam a ideologia conservadora e moralista judaico-cristã do autor. Meu comentário, acerca de uma das consideradas mais importantes “distopias” do século XX e que tem como base a análise de Cesar Bartolomeu e Mauri Cruz Previde, aponta estritamente o moralismo impregnado na produção literária.

“A história, que se passa no ano 632 depois de Ford, portanto, em 2495, se considerarmos o ano 1 D.F. como 1863, ano do nascimento de Henry Ford. O criador da linha de montagem é, por essa época, adorado como um deus. As cruzes cristãs tiveram seu topo decepado, e agora o símbolo da grande religião mundial é o T (referência ao Modelo T, marco da produção em série, criado por Ford em 1908). A sociedade é dividida num sistema rígido de castas; os Alfas e Betas, no topo, seguidos dos Gamas, Deltas e Épsilons (Lino Vallandro e Vidal Serrano traduziram incorretamente por Ípsilons, demonstrando total desconhecimento do grego). Os indivíduos são produzidos industrialmente, e condicionados desde a embriogênese para o trabalho ao qual serão destinados, sendo mantidos sob total controle psíquico; o nome de Freud, aliás, também é tido, por paronomásia, como uma variação de Ford. Todas as pessoas são mantidas sob controle por meio de intensa propaganda e pelo uso disseminado de Soma, uma droga desenvolvida pela indústria farmacêutica no ano 178 D.F. Não existem mais famílias e as relações sexuais são livres. Não há mais guerra, violência ou criminalidade. Todas as pessoas são felizes, mas Huxley pinta essa felicidade com cores tenebrosas, no intuito de desmascarar o inferno que, ele imagina, exista por trás desse aparente paraíso”, descrevem Mauro Cesar Bartolomeu e Mauri Cruz Previde.

O que o autor propõe, sob certa medida, como revolucionário e subversivo é, na verdade, parte integrante da estrutura opressora da massificação. As posições político-filosóficas se revelam moralistas e ultrapassadas, mesmo para o ano de lançamento de Admirável Mundo Novo, ao tentar construir uma sociedade distópica.

“O discurso moralizante se constrói sobre a oposição radical entre liberdade e felicidade, sendo que a primeira é exaltada como valor absoluto e a outra, descrita como veneno, como aquilo que escraviza e animaliza o homem. Uma vez que a esse conceito negativo de felicidade o autor associa os prazeres do sexo e das drogas, pode-se afirmar que estamos de volta ao terreno do moralismo cristão, que prega como ideal absoluto a continência e mesmo a total abstinência, em nome de uma felicidade supostamente alcançável apenas no pós-morte”, revelam os estudiosos.

Huxley faz com que no Novo Mundo não exista qualquer traço de afetividade entre os indivíduos, como é pressuposto na obra ao tratar da liberdade sexual. No entanto, é sabido que paixões platônicas tenderiam a desaparecer, uma vez que são fruto da repressão sexual. O autor assume uma postura em consonância com o moralismo cristão e o conservadorismo pequeno-burguês, diz Bartolomeu e Previde.

“Condena uma sociedade em que todas as pessoas são felizes, pois a felicidade terrena, necessariamente ligada aos prazeres físicos (sexo e drogas, no caso) é vista com maus olhos pelo fundamentalismo cristão. Condena-a por ter aniquilado a religião e os valores cristãos, por se entregarem aos prazeres livremente, por desafiarem a natureza (o moralismo judaico-cristão sempre se preocupou em rotular as práticas sexuais não-reprodutivas como crimes contra natureza, e a Igreja Católica ainda insiste em condenar o uso de preservativos e de contraceptivos), por conseguirem enfim escapar de todo ou quase todo sofrimento, base moral do cristianismo. Condena a liberdade sexual e a extinção da família, tomando uma posição claramente contrária à dos ideólogos da Revolução Russa”, defendem Bartolomeu e Previde.

Os autores ainda permitem encontrar brechas por onde podemos penetrar no âmago da tese, e as rachaduras a levam finalmente a ruir. Definitivamente, a obra máxima de Huxley fracassa enquanto distopia, finalizam Bartolomeu e Previde.