Baeca e a sociolinguística
Não é difícil perceber que cada um de nós possui um sistema linguístico próprio, o que nos confere um modo particular de estruturar as palavras no momento em que nos comunicamos. A linguística, ciência que estuda a linguagem humana, trata desse aspecto por meio do idioleto, que pode ser entendido como um sistema linguístico de um único indivíduo em um determinado período de sua vida, que reflete suas características pessoais, os estímulos a que foi submetido, a sua biografia etc.
Esse mesmo sistema pode ser manifestado por padrões de escolha de palavras, gramática, frases ou metáforas que são únicas desse indivíduo. Se você teve contato com a cultura jussiapense, é provável que tenha se deparado com vocábulos e expressões, como “granfo” (com derivação de granfino) e “qu(ê)ra” ou “qu(é)ra” (com derivação de querida), com variação de gênero: “granfa” e “quero”. Cada indivíduo possui uma forma de se expressar verbalmente, ou seja, há disponível para si um idioleto. O arranjo de palavras e frases é único, mas não significa que alguém utilize palavras específicas que ninguém mais usa, explica Rômulo Faria, autor de um estudo sobre o tema.
No entanto, nós podemos compreender que a estilística individual (ou genética) como um estudo que abrange também a sociolinguística. Ou vice-versa. E pensando nesse sentido é impossível não fazer referência direta a Baeca, um caso notável da estilística individual de Jussiape. Baeca, incontestavelmente, foi o criador de diversos vocábulos que passaram a integrar o vocabulário de uma parcela da população de Jussiape. E não é exagero afirmar que nós ainda utilizamos muitos deles até hoje. Expressões como “É cuia!” (enunciado para respostas cuja obviedade é evidente) e “Eu, heim, penca!” (expressão de admiração) sofreram um fenômeno semântico ao ganhar significados dentro de um contexto social que pode ser explicado pela sociolinguística.
Consultamos Sandra Maria Teixeira Nunes Assunção, criadora de um dicionário com verbetes que pertencem à população jussiapense. Ela apresentou alguns bem peculiares, alguns deles criações do próprio Baeca, como a expressão “está com a tábua do pescoço do lado de fora”, utilizado para indicar alguém que está com o corpo quase completamente mergulhado na água, salvo o pescoço e a cabeça. “Fofou o talo” para sexo; “rabo de arraia” para a fricção corporal e “tiopila” para cachaça.
Sandra Assunção também mencionou outras bem populares de autorias incertas como “cagou, corno!” utilizado para “bem feito”; “papagaio de oco de braúna”, que serve para se referir a pessoas obtusas. Há também uma variação utilizada para quando alguém tenta se esquivar de algum conflito interpessoal ou mesmo um desafio: “correu de medo, passarinho cagou no dedo”, sempre proferida em uma cadência, quase cantarolada. Outras expressões ganharam força nos anos de 1990 e no início dos anos 2000, como “boneca de porcelana” ou “boneca de papelão”, a primeira utilizada para se referir a mulheres jovens e bonitas, enquanto a segunda para garotas que estão buscando reconhecimento entre os consagrados. E o tão famigerado “rainha”, empregado para se referir tanto a mulheres gentis e amigáveis quanto para as que se distinguiam na sociedade por ter influência ou poder.
Mais vocábulos que sofreram o mesmo fenômeno linguístico:
Cheio da groselha – bêbado;
Geja – obtusa; ignorante.